segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Desconecte para reconectar - e a história da pipoca velha


Você certamente já deve ter ouvido o nutricionista falar “evite comer em frente à TV, celular, tablet, computador, video game, etc”, certo?

E por que isso? Porque o nutricionista é um sádico chato que gosta de boicotar a diversão alheia? Bem, não (eu espero)! O que acontece é que a distração pode fazer com que você coma mais e, ao longo dos anos, isso pode resultar em ganho de peso.

Pois foi esta uma das conclusões a que pesquisadores norte americanos chegaram ao conduzir um estudo em 2011.

Os 158 participantes foram aleatoriamente divididos para assistir a trailers de filmes em uma sala de cinema ou clipes de música em uma sala de reuniões. Foi-lhes dito que a pesquisa era sobre interesses em música ou cinema, ou seja, deveriam ficar atentos ao que seria exibido.

Além disso, ao entrar no cinema ou sala de reuniões, eles deveriam informar o horário em que fizeram a última refeição e dar uma nota, numa escala de 5 pontos, à fome naquele momento.

Todos receberam um copo d’água e um saco de pipocas e deveriam informar, após a sessão, se tinham hábito de consumir pipoca quando iam ao cinema, a fome após a sessão, e dar uma nota, numa escala de 7 pontos, à pipoca que receberam.

O que eles não sabiam é que... Metade dos participantes receberam pipoca estourada 1 HORA antes da sessão e, a outra metade... Tchan tchan tchan tchaaaaan... Pipoca estourada 1 SEMANA antes da sessão!

E você acha que alguém percebeu? Uns mais, outros menos, mas, assistindo às atrações, todos comeram pipoca!



Inclusive os que não tinham hábito de comer pipoca no cinema comeram mais na sessão de trailers do que os que estavam na sala de reuniões e que também não tinham o hábito. Isto evidencia que também somos sugestionados pelo ambiente.

Mas os pesquisadores não pararam por aí... Eles quiseram também investigar se a interrupção do “automatismo” mudaria alguma coisa. Então, repetiram o estudo e, desta vez, enquanto metade dos participantes comeriam pipoca “normalmente”, a outra metade foi instruída a pegar a pipoca somente com a mão não dominante, ou seja, destros comiam com a mão esquerda e canhotos com a direita!

E o que aconteceu?

Os que passaram a comer com a mão não dominante comeram muito mais da pipoca fresca, crocante, salgadinha e saborosa, estourada 1 hora antes da sessão, e quase não encostaram na pipoca velha, murcha, fria, rançosa, isopor...

A partir do momento que romperam a atividade automática e tiveram que prestar atenção no movimento do percurso pipoca-boca boca-pipoca, passaram a reparar não só mais naquilo que estavam assistindo, mas no que e como comiam. Assim, o fator “paladar” sobressaiu e o fator “dificuldade” os desencorajou a continuar comendo as pipocas velhas.

O quadro a seguir retirado do artigo mostra, portanto, que melhores notas foram dadas à pipoca “fresca” e notas mais baixas dadas à “velha” entre os participantes que comeram com a mão não dominante no 2º estudo.

No 1º estudo praticamente não houve diferença entre as notas.

Já na próxima figura podemos ver que os que referiram ter hábito de consumir pipoca no cinema, comeram, no 1º estudo, até mais a pipoca “velha” do que “fresca” e, com a mão não dominante, no 2º estudo, este público passou a comer (e gostar) mais das “frescas” às “velhas”.

No entanto, dentre aqueles que já não tinham o hábito de consumir pipoca no cinema, comeram mais da “fresca” e menos da “velha” no 1º estudo e, no 2º praticamente não houve diferença.


Longe de mim contraindicar o consumo de pipoca no cinema, ou debaixo do edredom, apreciando sua série favorita na TV! Mas isto deveria se aplicar às refeições do dia a dia, nos preciosos minutinhos que temos para saborear nosso corrido almoço de cada dia.



"Conversamos" um pouco disso no texto sobre o paradoxo francês, onde mostrei as diferentes motivações que levam indivíduos de diferentes culturas e nacionalidades a comer. A cada dia que passa, aquela ideia (obsoleta) de que "obesos são obesos porque são glutões, gostam de comer" cai por terra, pois, nos alimentar vai além na necessidade física e biológica. Depende também do ambiente, do acesso e disponibilidade de alimentos, do modo como comemos, dos nossos sentimentos, da companhia (ou falta de), da motivação, tempo, planejamento das refeições, etc.

Comer é, com certeza, um dos maiores prazeres que temos na vida. Então por que abreviar este momento? Tire um tempo pra você. Desconecte-se do mundo e conecte-se com seu corpo, sua mente. Você merece!




Referência:

Neal DT, Wood W, Wu M, Kurlander D. The Pull of the Past: When Do Habits Persist Despite Conflict With Movies. Pers Soc Psychol Bull 2011; 37:1428-1437.