segunda-feira, 26 de março de 2018

"Obesidade é doença": ponto final ou reticências?


Tenho lido muitos textos de nutricionistas nas mídias sociais com o tema “obesidade é doença sim”. Este é um tema que provoca as mais acaloradas discussões entre os especialistas, vou dar a minha opinião.

A obesidade foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2000, como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura, representado por um índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 Kg/m², que pode colocar em risco a saúde.

Ao longo dos anos, foi elucidado que a obesidade aumenta inflamação, que, por sua vez, a torna fator de risco para o desenvolvimento de doenças como diabetes tipo 2, hipertensão arterial (pressão alta), doenças cardiovasculares (infarto, AVC, doença arterial coronariana), que são as principais causas de morte no Brasil e no mundo, dentre outras.

Foi em 2013 que a obesidade foi definida como doença pela American Medical Association (AMA). Se por um lado definir a obesidade como uma doença poderia facilitar o acesso aos possíveis tratamentos, de outro, é irrefutável ignorar que houve aumento do estigma e do preconceito contra indivíduos obesos.

É fácil entender o motivo da tamanha desinformação: por ser uma doença caracterizada pelo excesso de gordura corporal, decorrente "pura e simplesmente" de um balanço energético positivo, isto é, por uma ingestão calórica maior do que o gasto, seria natural concluir que o indivíduo obeso é aquele preguiçoso e sem força de vontade. Este "puro e simples" cálculo estaria corretíssimo se nós fôssemos robôs, planilhas de Excel ou caixas registradoras, afinal, não somos tudo que comemos menos tudo que gastamos?

Felizmente, somos muito mais complexos que isto. Sofremos influência de hormônios, medicamentos, da nossa fase intrauterina, da qualidade e duração do sono, da maneira como nos alimentamos, da exposição a poluentes, da disponibilidade de alimentos, habilidades culinárias, do nosso poder aquisitivo, composição da microbiota intestinal, companhia, de fatores genéticos, psicológicos, etc.

Ou seja, a obesidade é multifatorial e isto significa que existem fatores que, em conjunto com o paciente, conseguimos modificar, outros não.

Como eu poderia dizer para um paciente, cujo IMC da primeira consulta era, por exemplo, 36 Kg/m² e agora está 32 (inclusive o menor IMC de toda sua vida adulta), após anos de tratamento, que todo seu esforço “de nada adiantou”? Que ele continua doente? “Parabéns, Sr(a), Fulano(a), você melhorou muito seus hábitos alimentares, está praticando atividade física regularmente, reduziu riscos para o desenvolvimento de diversas doenças, mas infelizmente continua obeso e portanto doente. Mas parabéns, viu?!”

O problema que identifico no discurso de alguns profissionais não é expor a veracidade das informações e evidências científicas. O que me chateia e preocupa é a atitude simplista,  generalista, carregado de julgamento e carente de empatia que parte de alguns colegas de profissão.


Não se trata de mentir para o paciente, ou ser conivente com a obesidade. Temos que ser transparentes e responsáveis, agir como profissionais da saúde. É nosso papel trabalhar em conjunto, motivar, reforçar o comportamento positivo, valorizar as conquistas, promover mudança de estilo de vida e hábitos saudáveis, e não acorrentá-lo a um número, fadá-lo eternamente ao fracasso.

Devemos abordar o assunto com seriedade, responsabilidade, adotar uma postura empática e acolhedora a fim de facilitar a promoção da saúde, sem estigmatizar pessoas que muitas vezes já enfrentam o preconceito da sociedade e sem que estes indivíduos recorram a tratamentos de eficácia duvidosa.

Referências:

1 - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Diretrizes brasileiras de obesidade. São Paulo: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica; 2016.

2 - Cori GC, Petty MLB, Alvarenga MS. Atitudes de nutricionistas em relação a indivíduos obesos - um estudo exploratório. Rev. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(2): 565-576.


3 - Francisco LV, Diez-Garcia RW. Abordagem terapêutica da obesidade: entre conceitos e preconceitos. Demetra. 2015; 10(3): 705-716.

sábado, 6 de maio de 2017

6 de maio: Dia Internacional Sem Dieta


É isto mesmo que você leu – existe um dia internacional para celebrar um dia sem dietas! Já disse aqui muitas vezes mas cabe relembrar que fazer dieta dietas pode causar obsessão por comida, exageros e compulsões alimentares, ganho de peso e pode aumentar as chances de um indivíduo geneticamente predisposto de desenvolver um transtorno alimentar.

O Dia Internacional Sem Dieta surgiu em 1992, quando a inglesa Mary Evans decidiu lutar contra a indústria das dietas e alertar sobre a gravidade dos transtornos alimentares.

Objetivos:

ü  Questionar o conceito do “corpo perfeito";
ü  Sensibilizar as discriminações decorrentes do excesso de peso;
ü  Declarar um dia livre de dietas e obsessões com o corpo;
ü  Apresentar fatos sobre a indústria da dieta – destacando a ineficácia das dietas;
ü  Explicitar como as dietas perpetuam a violência contra as mulheres;
ü  Honrar as vítimas de transtornos alimentares.


Lembrando que um dia sem dietas nada tem a ver com apologia à obesidade! O “Fome de quê?” defende a promoção da saúde por meio de uma alimentação saudável, que inclui a ingestão de quantidades e frequências adequadas de TODOS os alimentos, respeitando sinais internos de fome, saciedade, preferências e aversões alimentares, alergias e intolerâncias alimentares de cada um.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

“Beber suco não é a maneira natural de consumir fruta”

Eu juro que tenho uma síncope toda vez que ouço um nutricionista falando isso! Não porque eu seja a favor do livre consumo de sucos (como já publiquei aqui), mas simplesmente porque este não é argumento de quem tem ensino superior em nutrição. Seria a mesma coisa que eu dissesse que a maneira mais natural de consumir carnes fosse crua, com pele e pêlos, penas ou escamas! É a mais natural, é a maneira como os predadores consomem suas presas na natureza, mas não é o modo como a maioria de nós, seres humanos, estamos culturalmente habituados a ingerir carnes.

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Estamos inseridos em um ambiente obesogênico, inundado de alimentos (ou produtos) ultraprocessados ricos em sódio, açúcar, farinha refinada, gorduras trans, conservantes, aromatizantes, estabilizantes 24 horas por dia à nossa disposição, inclusive em locais não destinados ao comércio de gêneros alimentícios (postos de gasolina, por exemplo). “Sucos” com uma vasta lista de ingredientes e com nomes impronunciáveis estão nesta categoria. Certamente não são estes os que nós, nutricionistas, nos referimos ao dizer “suco” e, neste quesito, a mensagem que o novo guia alimentar para a população brasileira deixou foi muito clara: devemos desembrulhar menos e descascar mais.


Evoluímos a ponto de testar e inventar novas técnicas culinárias, formas de cocção, apresentação, combinações entre alimentos, cores, texturas… Consumimos carnes cruas, cozidas, assadas, grelhadas, moídas, picadas, em tiras, em cubos, com ou sem molho. Seguindo este raciocínio, é possível consumir verduras e legumes de diversas formas. E adivinha só: frutas também! Estes são apenas alguns exemplos de técnicas utilizadas nos pratos do restaurante espanhol "El Celler de Can Roca", com fila de espera de mais de 1 ano:

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Traduzindo do “nutricionês” para o português, a questão envolvendo o suco é que, ao ingerir um suco natural de frutas, ingerimos muitas frutas (e às vezes só de 1 tipo de fruta) de uma só vez, muito carboidrato (açúcar da fruta ou de adição) de uma só vez, e retiramos suas fibras, tão importantes para a saciedade, exercício dos músculos envolvidos na mastigação, controle glicêmico, controle do colesterol e regulação do intestino. Por estas razões preconizamos o consumo da fruta in natura.

Referência:

Ministério da Saúde. Guia Alimentar Para a População Brasileira 2014;1-145.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Definindo metas


Feliz ano novo!

Que 2017 seja repleto de saúde, harmonia, prosperidade, conquistas e seja mais leve que 2016…

Fazer planos para o ano que está começando é saudável e nos motiva a executar tarefas rumo às metas desejadas.

Uma das "promessas" mais comuns sem dúvida é emagrecer. Ah... Esse ano vai! E logo começam a reduzir (por conta própria, claro!) a quantidade de alimento do prato, os "beliscos", depois os doces, frituras, gorduras, refrigerantes, arroz, batata, macarrão, aproveita e já risca o glúten, melhor! Então retiram o leite, seguido por todos os alimentos que contêm lactose, carne vermelha, carne de porco, frango, carnes e ovos em geral, frutas "calóricas", alimentos fermentativos, vegetais XPTO, até não sobrar... Nada! Fácil, não?


Até que na primeira "escorregada" nessa dieta autoimposta e super-restritiva, pronto!
"Já que comi (o que na minha cabeça) não era para ter comido, vou enfiar o pé na jaca e ..................... eu recomeço".
( ) amanhã
( ) na próxima segunda
( ) mês que vem
( ) no verão
( ) no ano que vem

Pode parar!

Será que seu plano para atingir sua meta não está um pouco... Equivocado?

Tão importante quanto estabelecer metas é saber COMO as estabelecer. Do contrário, na ânsia de conquistar algo que exija dispêndio de energia e/ou tempo, essas metas começam a ser esquecidas, atropeladas pela correia do dia a dia, da procrastinação e voltam para o fundo da gaveta.

As metas devem ser:

M ensuráveis
E specíficas
T empo
A tingíveis
S ignificativas

1) Mensuráveis
- O quanto você quer/ precisa/ pode emagrecer?
- O que você quer ou precisa melhorar na alimentação?

2) Específicas
- O que é emagrecer? O emagrecimento será em números na balança, redução da % de gordura, aumento da % de massa muscular ou uma combinação de todos ou parte desses fatores?
- Gostaria de aumentar o meu consumo de frutas para X vezes ao dia.
- Minha meta é aumentar o consumo de água para X litros/dia.
- Gostaria de perder o medo de comer. Vou começar listando os alimentos quais me causam mais ou menos ansiedade.
- Defina números, nomes, tipos...

3) Tempo
- Desejo perder X quilos em Y meses.
- Desejo aumentar minha massa muscular em X até o mês Y.
- Gostaria de conseguir incluir verduras e legumes todos os dias até o final deste mês.

4) Atingíveis
- Será que perder os quilos adquiridos em 20 anos em 20 dias é possível ou saudável?
- Reduzir o consumo de doces no momento é muito difícil, posso começar melhorando o consumo de X?
- Não consigo comer XYZ no momento, mas posso me programar para levar marmita X dias na semana.

5) Significativas
- Por que emagrecer é importante para mim? Ficaria feliz em perder menos peso do que eu esperava ou gostaria mas conseguir reduzir o açúcar no sangue e a pressão arterial?
- Preciso melhorar minha relação com a comida pois me causa sofrimento.

Encontramos informações sobre comida, corpo e alimentação em muitos lugares. Muitas vezes são sensacionalistas e isentas de embasamento científico. Procure um nutricionista. Só ele estudou no mínimo 4 anos para melhor orientar.

E lembre-se: melhor do que desejar simplesmente "emagrecer" é desejar cuidar do seu corpo. Em 2017 faça as pazes com você, com a balança, com seu corpo e com a comida!

Todo momento pode ser um novo recomeço.


Referências:

1 – Pearson ES. Goal setting as a health behavior change strategy in overweight and obese adults: A systematic literature review examining intervention components. Patient education and counseling. 2012; 87(1):32-42.

2 – Doran GT. There's a S.M.A.R.T way to write management's goals and objectives. Manage Rev. 1981;70:35–6.

3 – Fairburn CG et al. Cognitive-behavioral therapy for binge eating and bulimia nervosa: a comprehensive treatment manual. In: Fairburn CG, Wilson GT. Binge eating: nature, assesment and treatment. New York: Guildford Press, 1993. p.371-404.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

10 passos para encarar de maneira mais saudável as festas de final de ano

Christmas dinner

Para aqueles que só enxergam a relação de amor e ódio quando o assunto é Natal, ou melhor, comida de Natal. E não me refiro à polêmica de colocar ou não uva passa no arroz! A questão é mais profunda do que isso. Há alguns anos postei algo parecido aqui, mas segue uma versão mais completa.

1 – Não faça dieta para o Natal, para o Reveillon, para o verão...
Aliás, não faça dieta nunca! Dietas podem causar obsessão por comida (lembra da Sara Goldfarb?), exageros e compulsões alimentares (principalmente pelos alimentos “proibidos”) e, acredite, ganho de peso! Dietas aumentam as chances de um indivíduo geneticamente predisposto de desenvolver um transtorno alimentar.

2 – Nos dias de festa, não passe fome ou fique em jejum!
Esta "estratégia" é um tiro no pé, pois, na intenção de economizar umas calorias, você provavelmente chegará à ceia com muita ansiedade, fome e correrá o risco de exagerar, até mesmo mais do que o planejado! Além disso, não vai ter tempo de mastigar devagar, saborear a comida, e perceber os sinais de fome e saciedade.

3 – Antes de fazer o prato, olhe todas as opções da mesa.
Em ocasiões como esta tem comida da tia, da avó, do pai, do periquito, do papagaio... Lembra do post sobre alimentação no Self Service? É a mesma coisa. Quando olhamos todas as preparações disponíveis ANTES de começar a montar o prato, evitamos pegar comida em excesso e faltar espaço para colocar justo aquela preparação que mais gostamos. Experimente um pouquinho de cada. Gostou? Repita sua preferida.

4 – Valorize a cultura alimentar da época e da sua família.
Quando no ano temos a oportunidade de comer peru, chester, tender, panetone, rabanada, etc, em uma única refeição? Dê uma chance a você mesmo e valorize tudo de bom que este momento tem a oferecer. E em paz. Além disso, cada família tem um prato típico que só o avô, a mãe, a bisa sabe fazer. Uma receita de outro país, outro estado e que não tem receituário, é tudo a olho, não dá pra explicar! Se você acha que não tem, tente descobrir este ano :)

5 – Desvie o foco da mesa.
Comer é prazeroso e é uma parte importante das festas, mas não é a única. Quando houver oportunidade circule, converse com pessoas que não vê há um tempo, saia para ver a noite, os fogos, as luzes, veja a decoração, dance, brinque com o cachorro...

6 – Não fique com todas as sobras.
Não conhecia esta frase, ouvi pela primeira vez de um paciente: “o que engorda não é o que a gente come entre o Natal e o ano novo, mas o que comemos entre o ano novo e o Natal”. Achei muita graça do modo como ele falou! É normal comer a mais do que estamos acostumados nas festas de final de ano. Mas para evitar exageros (e até a monotonia), uma boa alternativa e dividir as sobras com os convidados.

7 – Desencane do dia seguinte.
Fique tranquilo, nosso corpo sabe como lidar com excessos eventuais e tudo volta ao “normal” sem que você precise passar fome no dia seguinte, pular refeições ou fazer uma dieta. Assim como é impossível perder em 10 dias os quilos acumulados em 10 anos, também é absurdo ganhar peso de forma significativa em 1 única refeição! Se isto fosse possível eu seria a melhor nutricionista da UTI, por descobrir o fim da caquexia dos pacientes com insuficiência cardíaca, por exemplo...

8 – Tente descansar.
Alguns estudos mostram que dormir menos de 6h por dia aumenta a secreção de grelina, um hormônio responsável pela fome e reduz a de leptina, um hormônio envolvido na saciedade. Além disso o stress de noites mal dormidas e em relação à alimentação aumenta a liberação de cortisol, que em longo prazo aumenta o açúcar no sangue e leva ao ganho de peso, sobretudo na região abdominal.

9 – Respeite o seu corpo.
Não conte calorias! Ouça seus sinais internos de fome e saciedade, respeite sua vontade, coma devagar, tente adivinhar os temperos das preparações, perceba as diferenças de textura, a temperatura dos alimentos e pare de comer quando estiver satisfeito.

10 – Faça planos concretos e possíveis.
Muitas pessoas procuram o nutricionista com o objetivo de emagrecer. Mas antes de passar fome achando que assim será bem sucedido ou tentar dietas mirabolantes, defina melhor seu objetivo. Pense em começar o ano comendo melhor (ao invés de comer menos), tentando se exercitar mais, encontrar uma atividade que dê prazer (e não necessariamente aquela que gaste mais calorias), com metas mais concretas, isto é, não procure ter o corpo de alguém, procure o melhor do seu próprio corpo!

Feliz Natal e um excelente, próspero e saudável 2017!


E a pergunta que não quer calar: Coloco ou não passa no arroz?

Posts relacionados: Projeto verão. Só que não., Receita: escondidinho de bacalhauReceita: lascas de chocolate gourmet.

Referências:
1. Polivy J, Zeitlin SB, Herman CP, Beal AL. Food Restriction and Binge Eating: A Study of Former Prisoners of War 1994; 103(2):409-411.
2. Field AE et al. Relation Between Dieting and Weight Change Among Preadolescents and Adolescents. Pediatrics 2003; 112(4):900-906.
3. Pietiläinen KH, Saarni SE, Kaprio J, Rissanen A. Does dieting make you fat? A twin study. Int Journ of Obes 2012; 456-464.
4. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2009;1-85.
5. Ministério da Saúde. Guia Alimentar Para a População Brasileira 2014;1-145.
6. Maior AS. Regulação hormonal da ingestão alimentar: um breve relato. Medicina (Ribeirão Preto) 2012; 45(3): 303-9.