Todo começo de ano é a mesma
coisa – muitas pessoas querem saber mais sobre a dieta detox, outras nem querem
saber já vão pedindo mesmo, há uma enxurrada de cardápios desintoxicantes na
internet, nas bancas, nos caixas dos supermercados, tudo pra tentar “correr
atrás do prejuízo”, pra passar uma borracha nos excessos das festas de fim de
ano. “Esse ano vai!” ou “Vou começar o ano fazendo tudo direitinho!”. Será que
começar o ano fazendo dieta é sinônimo de “fazer tudo direitinho”?
O
que é a dieta detox?
É a ingestão de alimentos
e/ou líquidos com o objetivo de eliminar toxinas do corpo, acumuladas pela má
alimentação (consumo excessivo de alimentos industrializados e/ou agrotóxicos,
bebidas alcoólicas) além de noites mal dormidas, stress, excesso de sol, etc.
Essas toxinas não seriam
excretadas adequadamente pelo fígado e rins e ficariam acumuladas no corpo.
Na dieta detox estão
excluídas as carnes (peixe, aves, frango, porco, boi), ovos, leite e derivados,
trigo (pães, massas...), açúcar, adoçante, cafeína e bebidas alcoólicas. Fica
permitido o consumo de água, frutas, verduras, legumes, leguminosas (feijões),
oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas...), grãos e sementes.
Geralmente a dieta detox tem
curta duração (2 a 10 dias) e tem uma fase de dieta líquida.
O
que promete?
Promete “limpar” o corpo
(toda vez que leio isso imagino uma pessoa que tenha engolido uma vassoura... hahaha, desculpa!), eliminar toxinas, reduzir retenção de líquidos, melhorar o
humor, o aspecto da pele, unhas e cabelo, eliminar gordura, etc.
Os
contras...
1- Não concordo com o nome
“dieta desintoxicante” porque não concordo com suas premissas.
Intoxicação alimentar é
sinônimo de doença transmitida por alimentos (DTA), que é causada por 3 tipos
de perigos:
- biológicos (bactérias, vírus, fungos, etc)
- químicos (produtos do metabolismo das bactérias, produtos de limpeza, etc)
- físicos (poeira, terra, pelos de animais, cabelo, etc)
Sabe aquele bolo maravilhoso
cheio de chantilly que você comeu em uma festa, que ficou horas exposto sem
controle de temperatura adequado, que te fez passar mal? Pois é, ele devia
estar contaminado por bactérias (perigo biológico), e/ou pelas secreções dessas
bactérias (perigo químico) e/ou foi infectado pelo manuseio inadequado de quem
preparou o bolo, com as mãos sujas, ou o cabelo (perigo físico), que levou
essas bactérias ao chantilly do bolo.
O resultado disso é
catastrófico, não é? Geralmente há dores abdominais, náuseas, vômitos,
diarreia, febre, dores, mal estar geral e por aí vai.
Isto é uma intoxicação
alimentar.
Inchaço, retenção de
líquidos pelo consumo excessivo de sal ou outro tipo de alimento, me desculpe,
mas é melhor inventar outra desculpa!
2- Ok. Também pode haver
intoxicação por químicos que não sejam produtos do metabolismo de
micro-organismos. Por causa disso podem surgir outros tipos de sintomas (e não,
não insista, não estou falando de inchaço...).
De todos os males referidos
como pretexto para iniciar uma dieta detox, considero importantes o álcool e os
agrotóxicos (pesticidas). Até aí, segundo a definição apresentada, ambos são
perigos químicos, concordo!
Mas estas questões podem ser
resolvidas sem a necessidade de fazer uma dieta restritiva. O nutricionista,
por diversas questões, não pode recomendar o consumo de bebidas alcoólicas. Que
tal conscientizar o paciente que tem o hábito de beber a reduzir e/ou cessar o
consumo ao invés de receitar uma dieta rígida pós-bebedeira? A terapia
nutricional deve priorizar a mudança de hábitos, ao passo que dietas de gaveta
dão a impressão de ser um corretivo provisório com prazo de validade vencido.
Além disso, os órgãos de um
indivíduo normal (sem doenças), conseguem metabolizar e excretar o álcool em
algumas horas, não tem como o álcool se acumular no sangue por dias, meses...
Sobre evitar os agrotóxicos,
acho ótimo, mas que tal incentivar o consumo de alimentos orgânicos no dia a
dia? Outra opção é acompanhar a lista de alimentos mais afetados pelo uso
abusivo de agrotóxicos e evitar seu consumo. (Também pouco adianta fazer as
receitas da dieta detox com alimentos que transbordem defensivos agrícolas, não
é mesmo?)
3- Procurei nas bases de
dados Scielo, PubMed e bvs (Biblioteca Virtual em Saúde) e não encontrei
artigos científicos que sustentassem a necessidade de “desintoxicar” o corpo
periodicamente e/ou após excessos alimentares. Usei as palavras-chave “dieta”
AND “desintoxicante”, “dieta” OR “desintoxicante”, “dieta” AND “detox”, “dieta”
OR “detox”, “diet” AND “detox” e “diet” OR “detox” e obtive 0 resultados (pesquisa
AND, todas as palavras) ou muitas páginas com resultados sem relação ao tema
(pesquisa OR, qualquer palavra). Encontrei apenas 1 resultado pertinente no PubMed (busca “diet” AND “detox”), mas a opinião era desfavorável à dieta.
4- Como restringe grupos
alimentares importantes como qualquer tipo de carne, ovos e laticínios é
incompleta e pode haver absorção insuficiente de nutrientes como ferro e
cálcio. Estes minerais podem ser encontrados em alimentos de origem vegetal,
mas a absorção é dificultada pelas fibras, taninos e outras substâncias
presentes nos vegetais. Além disso, devemos lembrar que muitas pessoas só
ingerem o suco coado, e este processo reduz a quantidade de fibras alimentares.
5- Dietas líquidas são
difíceis de seguir, são monótonas, comprometem a mastigação e podem comprometer
a interação social e o comer emocional, dois aspectos que fazem parte da
alimentação dos seres humanos.
6- Não é eficiente porque
não promove reeducação alimentar e assim ocorre o efeito sanfona. Após o
término da dieta os indivíduos sairão do “modo dieta” e muito provavelmente
voltarão aos seus velhos hábitos.
7- Já falamos aqui que a
perda de peso de forma rápida é resultado de uma perda de água (massa muscular)
e não de gordura. Portanto a promessa de “queimar gordura” é falsa.
8- (de novo) Dietas aumentam
as chances de um indivíduo geneticamente predisposto de desenvolver um
transtorno alimentar.
Assim como não adianta fazer
caldos e sucos com frutas, verduras e legumes cheios de agrotóxicos, nem
preciso dizer que também não funciona para aqueles cujo único verdinho do prato
é uma folha de alface... Cadê as cores? Cadê os nutrientes?
Concordo que as pessoas se
alimentam muito mal – ingerem alimentos industrializados de mais e comida
(arroz, feijão, frutas, verduras, legumes, água...) de menos – mas discordo em
recomendar somente o consumo de
vegetais, excluir grupos de
alimentos da dieta ou passar dias à base de líquidos. Não existe um consenso
apoiando a necessidade disso e vai contra tudo aquilo que estudei nos 5 anos de
faculdade e outros anos de pós-graduação e cursos de extensão.
Incentivar o consumo de
sucos (verde, amarelo, laranja, rosa...), sopas diferentes, preparações
incomuns é legal, mas como alternativa de variar o cardápio, o preparo e a
apresentação de frutas e hortaliças, não
como substitutos de refeições.
Referências
Silva Júnior EA. Manual de
Controle Higiênico-Sanitário em Serviços de Alimentação. 6ª ed. São Paulo:
Varela, 2005.
Thaís amei o texto!! Já tentei fazer a dieta detox, dessas de revista mesmo, mas eu não consegui continuar, segui apenas 3 dias... O jeito é aprender a comer direito mesmo. Beijos
ResponderExcluir"Como restringe grupos alimentares importantes como qualquer tipo de carne, ovos e laticínios é incompleta e pode haver absorção insuficiente de nutrientes como ferro e cálcio"... Ok, ok... alguém aí precisa conhecer um pouco mais sobre nutrientes. Indico que conheça mais sobre vegetarianismo/veganismo.
ResponderExcluirConheço os nutrientes, mas conheço também algo chamado biodisponibilidade, por isso coloquei a frase seguinte: "Estes minerais podem ser encontrados em alimentos de origem vegetal, mas a absorção é dificultada pelas fibras, taninos e outras substâncias presentes nos vegetais."
ExcluirFarei mais pra frente um post sobre dietas vegetarianas. Abraço.
Sem contar que há mta controvérsia sobre o consumo de soja, um dos principais alimentos utilizados pelos vegetarianos/veganos... Eu não aconselho o consumo de soja da forma como é consumida no Ocidente. Vale lembrar que os estudos do Oriente, a soja é fermentada e não o "resto da soja processada".
ExcluirParabéns! Texto didático, esclarecedor e com excelentes orientações. Estou já compartilhando Thais! Sucesso para você!
ResponderExcluirParabéns Thaís, pela bela publicação, por expressar não somente a sua afinidade por dieta balanceada,harmonica, equilibrada, quali e quantitativamente, assim como é recomendada pelo Ministério da Saúde e corroborada por uma série de estudos.
ResponderExcluirUma pena que nem todos os leigos entendam da melhor forma possível. E desejo aos vegetarianos (todos), que busquem um pouco mais de conhecimento e acompanhamento com um profissional nutricionista, para que se otimize tal dieta (restritiva), pois é mais difícil alcançar as necessidades.