“Olha! Mais uma dieta!”
pensa aquela pessoa que já fez quinhentas dietas e que hoje pesa mais do que
quando começou a primeira. “Mas esta tem um nome diferente, lembra aquelas
“coisas científicas” que passam no Discovery,
no History Channel... Então deve
funcionar!”. Será?
O
que é a paleodieta?
É uma alimentação a base de
plantas selvagens e animais, baseada na alimentação dos nossos ancestrais, o Homo sapiens, no período da pré-história
denominado Paleolítico.
Ok. Ninguém vai sair por aí comendo
ervas daninhas porque não é o vegetal mais abundante na feira ou no
supermercado, a menos que você tenha uma horta ou um jardim em casa (e porque
apenas algumas ervas daninhas são comestíveis, comer a errada seria desastroso).
Muito menos carne de mamute! Mesmo porque os coitados já estão extintos...
A proposta é incentivar o
consumo de verduras, frutas, carnes, suplementos alimentares (polivitamínicos)
e evitar ou excluir cereais, laticínios, açúcar e sal.
O
que prometem?
Esta dieta está baseada na
premissa de que nós estamos adaptados à dieta dos nossos ancestrais já que
nosso DNA, nossa genética, pouco mudou desde a pré-história. Logo, traria
saúde, bem-estar e claro, perda de peso.
Os
contras...
Pra não acabar aqui ou soar
repetitivo (“afinal você fez um post igual ao outro só que com outro nome?! Que
picareta!”), prosseguirei com algumas reflexões.
Esta dieta nada mais é do
que uma (digo, mais uma...) dieta com baixo teor de carboidrato, assim como a
Dukan e a Atkins, ou seja... Pegam o conceito da mesma dieta e mudam o nome
para ganhar dinheiro, vender outros livros, atingir outro público (ou o mesmo
público, aquelas mesmas pessoas que já fizeram todas as dietas possíveis),
vender um outro “milagre”. Não existe milagre.
Além disso, acho que deu pra
perceber que a dieta não é igual a dos nossos ancestrais, ela é parecida... Atualmente
não temos a mesma disponibilidade de alimentos, não vamos encontrar os mesmos
vegetais e os mesmos animais que eles comiam e muito menos prepará-los do modo
como eles faziam. O Homo sapiens, na
Idade de Pedra, já dominava o fogo, mas tenho certeza de que eles não refogavam
nada numa panela de inox, com cebola picadinha, alho ou azeite extra virgem.
Tampouco tiveram a oportunidade de assar um bolinho pra comer no lanche da
tarde... Não só pelo fato de que não existia eletricidade ou fogão, mas eles não
tinham ideia muitas vezes de quando seria a próxima refeição! Comida não era
abundante como é nos dias de hoje. Comer aqueles alimentos e comer pouco não
era uma escolha, era a única opção. A comida que caçavam-coletavam tinha que
ser repartida pelas pessoas do grupo, quem garante que eles se sentiam ótimos e
não desejavam comer mais?
"Uma estratégia de estilo de vida saudável. Coma seus vegetais. Evite carnes gordas. Exercite-se diariamente." Era o jeito, né?!... |
Também tenho a ligeira
impressão de que o estilo de vida deles era bem diferente do nosso. Sei que a
tecnologia é uma via de mão dupla, trouxe uma série de problemas, mas os
benefícios são inegáveis. Não defendo o excessivo consumo de alimentos
altamente processados (sou uma profissional da saúde, poxa!), mas hoje
encontramos infinitas opções de alimentos para o consumo e temos o poder de
escolher o que é mais adequado para cada situação da nossa vida. Não devia
existir uma regra que nos impedisse de comer um pedaço de chocolate quando
temos vontade só porque os homens das cavernas não comiam. Eles não tinham! Se
existisse, será que não comeriam?
Outra alegação da paleodieta
é que esta reduz o colesterol “ruim”, previne contra doenças cardiovasculares e
regula a glicemia, contribuindo para a prevenção e tratamento do diabetes. Até
aí, a reeducação alimentar também funciona! E não tem o nome “dieta” nem as
restrições alimentares e psicossociais intrínsecas das dietas.
Além da quantidade
insuficiente de carboidratos desta dieta, se é tão saudável, por que recomendar
a ingestão de polivitamínicos? Porque tomar cápsulas é mais prazeroso do que
comer um pouco de tudo? Ah é, não pode tomar leite, nem comer laticínios em
geral... Senão a saúde dos ossos já viu, né?!
Existe algum estudo que mostra que o Homo sapiens estava adaptado àquela dieta? Eles ficavam menos
doentes? Menos desnutridos? Tinham o colesterol ótimo? (– alguém dosou?) Ou
será que não adoeciam por consequência de doenças crônicas porque morriam
precocemente ou adoeciam primeiro de acidentes ou doenças infecciosas?
O que significa dizer que “nossa
genética pouco mudou desde o Paleolítico”? Pra você ter uma ideia, uma pessoa
se difere da outra por causa de “apenas” 0,1% do nosso DNA! Temos os mais
variados tons de pele, peso, altura, tendências em desenvolver doenças,
alergias, intolerâncias, alguns são canhotos, outros destros, uns têm muito
cabelo, outros são carecas... E tudo isso por causa de 0,1% dos 20000 a 25000
genes do nosso DNA – é gene pra caramba! Qual a porcentagem de genes mudou de
lá pra cá? Foi pouco mesmo?
Por fim, não custa nada
repetir: dietas podem causar obsessão por comida, exageros e compulsões
alimentares (principalmente pelos alimentos proibidos), ganho de peso e
aumentam as chances de um indivíduo geneticamente predisposto desenvolver um
transtorno alimentar.
Referências
Turner BL, Thompson AL. Beyond the
Paleolithic prescription: incorporating diversity and flexibility in the study
of human diet evolution. Nutr Rev.
2013 Aug;71(8):501-10.
Philippi ST et al. Pirâmide
alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos. Rev. Nutr. Apr 1999; 12(1):65-80.
Araujo MC et al. Consumo de
macronutrientes e ingestão inadequada de micronutrientes em adultos. Rev. saúde
Pública [Internet]. Feb 2013 [acesso em 2013 Sep 10]; 47(1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102013000700004&lang=pt