Estou longe de ser uma expert
em assuntos religiosos, mas você sabe de onde veio o coelhinho da Páscoa e seus
ovos de chocolate?
Pois bem, para cristãos e
judeus a Páscoa representa a esperança de uma nova vida, seja pela crença e
celebração da ressurreição de Jesus, seja pela fuga dos hebreus do Egito
liderada por Moisés. Como o ovo dá origem a uma nova vida, ele logo se tornou
símbolo desta data.
Até aí está fácil de
entender. E o coelho?
A simbologia do coelho foi trazida para a América pelos
alemães nos séculos XVII e XVIII. O coelho é um animal que se reproduz rapidamente
e em grandes quantidades e representa, portanto, o nascimento (de uma nova
vida) e a fertilidade, importante num tempo em que a mortalidade era alta.
Nada melhor para fazer a
economia girar do que colocar um coelho para entregar ovos na Páscoa! Melhor
ainda se forem de chocolate, não é mesmo?
Por muitos anos (e ainda
hoje, em alguns lugares) as pessoas presentearam-se com ovos de aves coloridos,
decorados. Foram os franceses que, no século XVIII, inovaram ao utilizar uma
iguaria muito apreciada, o chocolate, para confeccionar os ovos.
E desde então não se fala
mais em outra coisa na Páscoa a não ser no bendito chocolate! Muitas questões
são trazidas pelos pacientes, mas o ponto central é o medo de engordar e o medo
de “exagerar”... Eu poderia ter me limitado em contar a história do ovo de
páscoa de chocolates, mas minha intenção neste post é colocar alguns “pingos
nos ís”.
- Em primeiro lugar não existe alimentos que engordam ou que emagrecem. Alguns alimentos são mais calóricos que outros. O chocolate tem sim gordura e açúcar, mas o que determina se vamos ganhar ou perder peso ao longo do tempo é a quantidade e frequência na qual comemos um determinado alimento.
- Em segundo lugar, repare que disse em ganhar ou perder peso “ao longo do tempo”. Nenhum alimento é capaz de nos engordar da noite para o dia, senão a questão da desnutrição seria um assunto fácil de resolver, certo? Bastaria um indivíduo com desnutrição comer 1 única refeição ou comer 1 ovo de Páscoa...
- Terceiro, é comum as pessoas comerem a mais (em comparação aos outros dias “normais” da semana) numa data comemorativa. Normalmente há uma quantidade maior de preparações, ficamos mais tempo à mesa, tem o prato da/do mãe/pai, tia/tio, avó/avô, sogra/sogro, dos vizinhos, amigos... E ainda têm os ovos de páscoa... É mais chocolate do que a maioria está habituada a comer durante a semana.
- Quarto, precisamos diferenciar comer normal de exagero e compulsão. Atualmente as pessoas estão tão rígidas com elas mesmas que estes conceitos estão todos atrapalhados.
Comer
normal
Atualmente a recomendação de
chocolate para a população geral brasileira é de 30 gramas por dia. Isto
equivale a 1 tablete (4 quadradinhos), ou 1 trufa, ou 2 a 3 bombons, ou um
pedaço de 30 g de chocolate, etc.
Tão importante quanto a
quantidade é o modo como comemos este chocolate: com prazer, devagar,
saboreando, sentindo o cheiro, o gosto...
Muitas vezes o comer normal
é encarado como um exagero sobretudo quando trata-se de uma restrição
autoimposta: se a pessoa não se permitiu comer nenhum chocolate, comê-lo
significa um exagero, visto que 1 (que comeu) é maior que zero (que não devia
comer).
E o mais curioso é que uma
restrição pode levar a um exagero ou compulsão por adivinha qual alimento?
Justamente aquele rotulado como proibido!
Exagero
Não existe um número
específico, mágico, que defina um exagero... Podemos dizer que é comer a mais
que a recomendação diária para aquele indivíduo? Talvez. Mesmo assim, um
exagero é comer a mais do que está habituado, ou seja, é natural, normal em
algumas situações, e ainda com prazer!
Depende das características
da pessoa (sexo, peso, altura...), da fome, da ocasião (comer social, distração,
festas, aniversário, casamento, Natal, Páscoa, casa da avó...).
Com o chocolate, por exemplo,
é aquele momento em que comemos mais do que estamos acostumados, mas quando
percebemos que passamos da conta conseguimos parar e guardar pra mais tarde, ou
para outros dias. Ou quando você está afim de experimentar um de cada, tá
curtindo, e quando você vê fala “nossa, é melhor eu fechar isso aqui antes que
eu acabe com tudo”.
Exageros alimentares só se
tornam problema se forem recorrentes e trouxerem prejuízos à saúde, como
colesterol alto, diabetes, obesidade, pressão alta, prejuízos psicossociais, etc.
Compulsão
A definição de compulsão
alimentar no DSM-5 é ingestão, em um período limitado de tempo, de uma
quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria das pessoas
consumiria em um período similar, sob circunstâncias similares, com sentimento
de falta de controle sobre o episódio (por exemplo, um sentimento de não
conseguir parar ou controlar o que ou quanto se come).
No caso de compulsão
alimentar, a pessoa não sente prazer em comer, nem no momento que está comendo,
nem depois, porque a pessoa não está desfrutando do momento, saboreando o
alimento, está simplesmente devorando. Muitas vezes há sofrimento e
constrangimento. E isto não é legal, merece atenção e muitas vezes
acompanhamento profissional.
Um exemplo pode ser comer rapidamente
e sem saborear todos os (muitos) chocolates que ganhou de uma só vez sem
controle, isto é, e não conseguir fechar ou guardar pra depois.
Logo, aquela mesma pessoa
não se permitiu comer nenhum chocolate e comeu 2 bombons, de novo, isto não é
uma compulsão.
Não deixe que a preocupação
e a ansiedade se sobreponham a este momento de reflexão, ou em família. Para os
aflitos de plantão, aí vão algumas sugestões:
- No dia a dia, evite comprar caixas de chocolates e barras grandes. Compre pequenas quantidades de chocolate (um tablete pequeno, ou 1 trufa...) quando tiver vontade.
- Na Páscoa, caso compre ou ganhe grande quantidade de chocolate, existem algumas opções:
1- Divida com amigos e
familiares.
2- Pegue apenas a quantidade
que for comer e guarde o resto.
3- Deixe os
chocolates/bombons fracionados em saquinhos ou potinhos.
4- Se a vontade de devorar o
ovo todo ou a caixa toda for muito grande, guarde em um local de difícil acesso
(num armário bem alto, por exemplo), ou no escritório, no trabalho e leve pra
casa apenas a quantidade a ser consumida no dia.
- Lembra do paradoxo francês? Procure comer devagar, sinta o sabor e perceba como derrete na boca. Isso ajuda a satisfazer melhor.
1 ovo, 2 ovos, 3 ovos... Com
o preço dos ovos, se você ganhar tudo isso, considere-se sortudo, isso sim!
Boa Páscoa!
Referências:
American Psychiatric
Association [Internet]. DSM-V. [acesso em 2014 Apr 14]. Disponível em: http://www.dsm5.org/Pages/Default.aspx
Eating Mindfully [Internet].
[acesso em 2014 Apr 11]. Disponível em: http://eatingmindfully.com
Philippi, ST et al. Pirâmide
alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos. Rev. Nutr., Campinas,
v. 12, n. 1, abr. 1999.
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