sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A maçã da discórdia




O cartão de visita é uma das ferramentas de aproximação do profissional com o cliente/paciente. Quando terminei a graduação, achei que seria interessante ter um.

Eu já conhecia o trabalho moderno e diferenciado da Twee Art, as designers já conheciam minha postura como nutricionista e entrei em contato com a ideia de um cartão que fosse marcante, que não fosse tradicional, que tivesse a cor vermelha (minha cor favorita) em algum lugar e que de alguma forma lembrasse nutrição. Disse que gostaria também que tivesse transparência ou formato arredondado.

De imediato foi sugerida a maçã. Ó céus, onde foi que eu errei? De fato a maçã pode ser vermelha, arredondada, lembra nutrição e não resultaria num cartão tradicional. Mas maçã?! Aquela que é símbolo do nutricionismo, da ortorexia, da neura, do sacrifício, da nutrição com sabor de isopor e que frequentemente vem acompanhada da balança e da fita métrica?! Neguei veementemente, não gostaria em hipótese alguma que meu trabalho fosse reduzido, simplificado a isso.

 
As designers compreenderam meu ponto de vista, alegaram que conseguiriam tornar essa ideia da maçã interessante, mas me garantiram que obviamente iriam pensar em algumas outras possibilidades. Ufa!

Após um tempo de pesquisa e criação, elas apresentaram 3 modelos. Um lembrava a Pirâmide Alimentar, outro a tabela nutricional e o outro, bem, o outro vocês já conhecem, é a tal maçã da discórdia! A verdade é: me apaixonei pelo cartão! Não era um símbolo pedante. Eu queria que aquele fosse o meu cartão!

Para minha surpresa, à medida que eu entregava o cartão, as pessoas diziam “Que legal seu cartão! É um tomatinho?”, “Que linda a cerejinha!”, “O que é, uma maçã?”. Nada melhor do que instigar a imaginação e a curiosidade das pessoas. A imagem da maçã da nutricionista fardada aos poucos foi dando lugar às outras maçãs... Por que não associar às maçãs da mitologia, do desejo, da ciência, do questionamento, do “Fome de quê?”?

Não estou tentando me justificar (mesmo porque ninguém me perguntou), mas com tanta maçã mais interessante, por que dar atenção àquela?

Por muito tempo cristãos acreditaram que os males e o sofrimento da humanidade originaram-se a partir do momento em que Eva compartilhou com Adão uma maçã, fruto proibido por Deus. O mais engraçado é saber que o Jardim do Éden é localizado na Mesopotâmia, território do Iraque, cujo clima não é propício ao cultivo de macieiras. Logo não havia maçã nenhuma. Mais engraçado ainda é saber que a Bíblia, em momento algum, disse que era uma maçã! Enfim.


Esta metáfora da maçã já foi aproveitada para divulgação de cosmético, perfume, histórias infantis e artistas.

Lime Crime, Nina Ricci, Branca de Neve, No Doubt e Angelina Jolie

Tiveram outras maçãs interessantes, como a que caiu na cabeça do Newton e fez com que ele ficasse ciente daquela força, hoje conhecida como gravidade. Outra maçã da ciência e da tecnologia é a contemporânea Apple, do Steve Jobs.


Uma das minhas histórias favoritas, talvez pela minha infância regada à Roberto Bolaños, é a do Guilherme Tell (Wilhelm Tell), que desafiou o tirano governador austríaco e pagou sua vida e liberdade atirando uma flecha numa maçã sobre a cabeça de seu filho. Esta lenda virou símbolo das lutas independentistas no século XV.


O alimento tem diversos significados. Podemos escolher um alimento simplesmente por causa do sabor. Comer também está relacionado a uma área do cérebro que nos traz lembranças, como o cheirinho gostoso do bolo que a vovó costumava assar no café da tarde. Nossas escolhas alimentares dependem de questões religiosas, como por exemplo a culinária judaica kosher e o hábito dos muçulmanos em jejuar no Ramadã, ou de questões ideológicas como é o caso de alguns vegetarianos. Nós comemos também para nos socializar – fazemos refeições comemorativas, comemos bolo nas festas de aniversário e no trabalho fazemos uma breve pausa para o café. Algumas pessoas evitam ou eliminam alimentos da sua dieta por causa de alergias, intolerâncias alimentares, para controlar ou evitar doenças crônicas não transmissíveis, por preocupação com a saúde ou estética, porque é calórica, gordurosa e “engordativa”.

Ou seja, analisar o alimento apenas sobre o âmbito nutricional é limitado. Fica claro que a comida é carregada de símbolos, significados e sentimentos que diferem de indivíduo para indivíduo e isso norteia nossas escolhas alimentares e define uma parte de quem somos.

Por aquilo que eu entendo por maçã, estou satisfeita.

Tomate, cereja, maçã... O que quiserem!


Referência:

Alvarenga M. A mudança na alimentação e no corpo ao longo do tempo. In: Philippi ST, Alvarenga M. Transtornos alimentares: uma visão nutricional. 1ªed. Barueri, São Paulo: Manole; 2004. p1-20.

2 comentários:

  1. Não faltou nem o Newtão no texto. Muito legal!!!

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  2. Interessante a sua explicação para o seu "cartão" muito inteligente da sua parte! Legal mesmo, de verdade!

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