terça-feira, 23 de abril de 2013

Beleza não se põe à mesa


No último post falei que o lançamento do livro “Salt, Sugar, Fat: How The Food Giants Hooked Us” (Sal, Açúcar e Gordura: Como os Gigantes da Comida nos Fisgaram, em tradução livre) me fez refletir sobre duas coisas: a primeira, já apresentada, foi a reflexão sobre o ambiente extremamente obesogênico em que vivemos e o ultrapassado, porém ainda atual, estigma da obesidade.

A segunda coisa que pensei com tudo isso é também um paradoxo: você já reparou que o padrão de beleza parece andar na contramão da disponibilidade e acesso aos alimentos?

Que o padrão de beleza se modifica com o tempo, disso todos nós sabemos, mas ocupo-me aqui em tentar relacioná-lo brevemente com o contexto histórico. Tentei abordar um pouco sobre os padrões masculinos também, mas foi difícil encontrar referências. Não sou nenhuma expert em história ou artes. Gostaria apenas de compartilhar uma linha de raciocínio da minha visão como nutricionista.

A primeira referência de idealização da figura feminina é uma estatueta chamada “Vênus de Willendorf” esculpida aproximadamente há 22000 – 25000 anos! Os seios, a barriga e a vulva proeminentes remetem à fertilidade, segurança, sucesso e bem-estar. Essas características seriam essenciais à sobrevivência e perpetuação da espécie humana no período da Pré-História (Paleolítico), representando uma escolha certeira num ambiente onde o homem lutava constantemente pela busca de alimentos.

Vênus de Willendorf
Nas pinturas renascentistas, que surgiram no século XV, as mulheres eram curvilíneas e teriam, provavelmente, um IMC que as classificariam com sobrepeso ou obesidade nos dias de hoje. Já o ideal de beleza masculino era mais semelhante do que temos atualmente: um biótipo atlético, mas sem exageros e sem a obsessão pelo tamanho do pênis. O Renascimento, por sua vez, foi precedido da Peste Negra e Guerra dos Cem Anos, que resultou em um longo período de fome na Europa.

A Primavera (Botticelli), 1482
O Nascimento de Vênus (Botticelli), 1483
A Criação de Adão (Michelangelo), 1511
David (Michelangelo), 1504
Passando pela Revolução Industrial, já saltando para o final da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), a foto de uma “pin-up” era chamada de “cheesecake”, sobremesa típica americana, elogio a uma mulher bonita em simplificação à frase “better than cheesecake” (melhor que cheesecake, em tradução livre). As “pin-ups”, por sua vez, são modelos femininos considerados sensuais, que misturam a submissão da mulher dona de casa, a inocência e o erotismo. Eram mulheres de seios fartos, quadris largos, pernas voluptuosas e cintura fina. Ainda no contexto “gastronômico” do fato histórico, um dos símbolos atrelados a esta imagem feminina é a cereja, que remete a cor do batom forte característico usado por elas e a sensualidade das frutas vermelhas.





















Este estereótipo se popularizou nos Estados Unidos na época da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Uma das mais famosas foi a Betty Grable (1916-1973), figuras abaixo, cujos estimados 5 milhões de pôsteres foram enviados aos soldados norte-americanos durante a guerra nesta época!



















Sem dúvida foi um período de muita fome em diversas partes do mundo. Com a indústria focada na produção de armas, os países sofrem com a escassez de comida. Um dos estudos mais marcantes sobre os efeitos da desnutrição no homem foi o “The Minnesota Starvation Experiment” (O Experimento de Inanição de Minnesota, em tradução livre), do pesquisador Ancel Keys. Este estudo jamais seria aprovado pelo comitê de ética nos dias de hoje, mas na época contou com mais de 400 homens voluntários e destes, apenas 36 foram selecionados para o estudo. Eles tinham a idade entre 22 e 33 anos. O importante é que, ao final do experimento, além da perda de aproximadamente 25% do peso inicial, os jovens apresentaram quadros de depressão, estresse, isolamento, autoagressão, diminuição do interesse sexual e aumento da preocupação de comida! Seria como se esses jovens trocassem as revistas masculinas pelas de culinária...

As coisas começaram a mudar no período pós-guerra: muitas mulheres perderam seus maridos e viram-se encarregadas de sustentar sozinha a família. Ao contrário da voluptuosidade das pin-ups, as mulheres magras, ainda reflexo da fome, começaram a se destacar. Era o início da figura da mulher produtiva e sexualmente independente. As roupas acompanharam esta “liberdade” ganhando modelos menos ajustados ao corpo, rompendo com o aprisionamento do corset. O maior símbolo desta época foi a modelo inglesa Twiggy, andrógina, macérrima, de cabelos curtos e vestidos largos.




Twiggy
Comida já não era mais o problema, e nos 70 e 80 as dietas e academias popularizaram-se rapidamente. Fazer dieta já fazia parte das preocupações principalmente das mulheres. Na década de 90 surgem as “supermodelos”: mulheres altas, esguias que, como o próprio nome sugere, vieram para ser o “modelo” a tentar ser (per)seguido.

Jane Fonda
Sylvester Stallone
Madonna
"Supermodelos": Stephanie Seymour, Christy Turlington, Linda Evangelista, Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Naomi Campbell
Falamos no último post também sobre a abundância de comida e na possibilidade de encontrarmos alimentos em locais onde jamais pensaríamos que um dia fossemos encontrar, como por exemplo nos postos de gasolina. Em oposição a isso vemos, desde o início do século XXI, a supervalorização da magreza das modelos de passarela. Mais uma vez um paradoxo, já que a obesidade continua crescendo. Uma pequena minoria das mulheres tem o corpo de uma modelo. Mesmo entre as modelos, existem as “naturalmente magras”, mas existem as que lutam contra a balança por causa da profissão. Uma dieta restritiva pode levar à fadiga, fraqueza, constipação, queda de cabelos, pele seca, unhas quebradiças, náuseas, diarreia, alterações menstruais, edema e intolerância ao frio e consequências mais graves como distúrbios cardíacos, arritmias, gota e morte súbita. 

Karlie Kloss
Angelina Jolie
A divulgação de informações sobre saúde faz com que as pessoas queiram melhorar a alimentação e praticar atividade física, e atualmente também vivemos a época em que mulheres e homens desejam aumentar a massa muscular. Quando, novamente, os excessos extrapolam os limites da saúde, surgem os efeitos deletérios que, neste caso, podem ser a vigorexia, o uso de anabolizantes e os implantes e/ou injeções de próteses e/ou óleos.

Madonna
Chris Hemsworth
Gracyanne Barbosa
Quanto mais arraigado está o ideal de beleza, maior é o desconforto de quem não se encaixa nos padrões. Essa é uma das “queixas” que eventualmente surgem no consultório, principalmente entre os pacientes mais jovens que procuram “consertar” o corpo como se fosse massinha de modelar, da mesma maneira como a mídia, as revistas e alguns profissionais da área da saúde costumam sugerir: ter o corpo que você sempre sonhou está a seu alcance, basta aplicar isso, levantar aquilo, tirar aqui, colocar ali, puxar de lá... Mas não, aquele corpo nunca será seu, assim como outra pessoa nunca terá o seu.

Nada de errado em querer mudar. Mas querer se transformar, buscar ser outra pessoa ou ser um conceito subjetivo (como é o da beleza), não é possível, não é saudável e tampouco eleva a autoestima.
"Não existe jeito errado de ter um corpo", em tradução livre

 Referências:

Ayto, J. Movers and shakers: a chronology of words that shaped our age. 1ª ed. Oxford University Press; 2006.

Isolda PNN, Maduro FM, et al. Hiperuricemia em Obesas Sob Dieta Altamente Restritiva. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003 Jun; 47(3):266-70.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Gigantes da Comida X Comida Gigante




 Recentemente o livro publicado pelo jornalista norte-americano Michael Moss “Salt, Sugar, Fat: How The Food Giants Hooked Us” (Sal, Açúcar e Gordura: Como os Gigantes da Comida nos Fisgaram, em tradução livre), como o próprio título sugere, trouxe novamente à tona a discussão sobre as táticas adotadas pela indústria alimentícia para conquistar cada vez mais o paladar dos consumidores.

É sabido que a adição de sal, açúcar e gordura torna os alimentos palatáveis e assim fica fácil compreender a tática usada para gerar lucro e acabar com a concorrência: quanto mais “gostoso” o produto em relação ao concorrente, mais a marca sai ganhando.

Nada contra os alimentos gostosos – já comentei várias vezes aqui no blog que uma alimentação saudável deve ser, dentre outras coisas, saborosa, e isso também não quer dizer que não existam alimentos saborosos que sejam “saudáveis” – mas os alimentos industrializados, altamente processados, são, na maioria das vezes, muito calóricos, pobres em nutrientes como vitaminas, minerais e fibras, e promovem um rápido esvaziamento gástrico, ou seja, o indivíduo sente fome pouco após a ingestão. Além disso, comer é prazeroso, e algumas pessoas podem desenvolver um mecanismo de compensação, descrito por muitos como um “vício”.

É preciso deixar claro que nenhum alimento por si só engorda ou é causador de doenças, mas o consumo exagerado destes snacks pode levar à obesidade, hipertensão arterial (pressão alta), doenças cardiovasculares e diabetes.

Eu não li o livro, mas este debate sobre o tema me fiz refletir sobre 2 coisas:

A primeira é que, apesar dos avanços da ciência acerca da etiologia multifatorial da obesidade, muitas pessoas ainda a avaliam como sendo uma falha na motivação do indivíduo em perder peso. Jogam-lhe a “culpa” e o acusam como se fosse um criminoso que precisasse se defender. Já ouvi diversas vezes que o indivíduo obeso é “sem-vergonha”, “preguiçoso”.

Sem considerar, por ora, a predisposição genética e outros fatores que podem levar à obesidade, vamos observar o ambiente: hoje em dia encontramos comida de qualquer tipo e em qualquer lugar: seja virando a esquina, na padaria mais próxima da sua casa, no trabalho, na escola, nas academias, no cinema. Até nos postos de gasolina! Sem contar na variedade de opções oferecidas nas praças de alimentação dos shoppings.

Além disso, as porções dos alimentos estão cada vez maiores e há incentivo, em forma de promoções, combos, para a compra do produto “extra”, com “mais recheio”, “mais cobertura”, do “brinde”. Citamos o cinema como ponto de venda de alimentos. Pois bem: qual era o tamanho do saquinho da pipoca que nossos pais ou avós compravam e qual o tamanho do balde disponível hoje em dia?

O ambiente atual é extremamente obesogênico e somos bombardeados por informações sobre alimentação e nutrição. É muito difícil escolher o que comer. Devo comer o que a mídia disse que faz bem? Mas eu não gosto... Devo comer o que meu lado “dieta” disse? Mas eu não quero... Devo comer aquilo que tenho vontade? Mas eu não posso...

Preferências e aversões alimentares são pessoais. Gostar de fast food ou alimentos altamente processados não deve ser encarado como um problema. Independentemente do peso, ceder à vontade de comer a sua guloseima favorita é superaceitável dentro do conceito de alimentação saudável. Só não devemos substituir todas as refeições por elas, nem fazer disso uma rotina.

A segunda coisa, me desculpem, vou ter que deixar para um próximo dia porque a conversa vai longe...

Referência:

Pisciolaro F, Azevedo AP. Transtorno da compulsão alimentar periódica. In: Cordás TA, Kachani AT. Nutrição em psiquiatria. Porto Alegre: Artmed; 2010. p.167-179.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sua mãe nunca lhe ensinou a não brincar com comida?



Pois é exatamente isso que o norte-americano Terry Border faz!

Conheci este trabalho quando ainda estava na faculdade e, como nutricionista, apreciadora de comida e de humor, foi amor à primeira vista.

Com muita criatividade, Terry utiliza materiais simples como arame, papeis, utensílios domésticos para dar vida aos alimentos e outros objetos. É como se esses “personagens” fossem fotografados em situações íntimas, corriqueiras.













Para conhecer mais sobre seu trabalho, basta acessar o site.